Neurociência do Amor e dos Relacionamentos

Como o amor impacta nosso comportamento na era digital?

O amor é um dos sentimentos mais fascinantes e universais da experiência humana. Ao longo da história, poetas, escritores e filósofos tentaram defini-lo, mas é a neurociência que tem oferecido respostas concretas sobre como nosso cérebro processa o amor e seu impacto nos relacionamentos. Este artigo explora os mecanismos neurobiológicos envolvidos nos sentimentos amorosos, desde a paixão inicial até os relacionamentos de longo prazo, com base em estudos científicos. Além disso, serão abordadas as relações entre o amor e outros aspectos da vida, como a saúde mental e o bem-estar, bem como a evolução do amor ao longo da história e sua transformação na era digital.

O cérebro apaixonado

Quando nos apaixonamos, nosso cérebro entra em um estado de intensa atividade. A dopamina, conhecida como o “neurotransmissor do prazer”, é liberada em grandes quantidades pelo sistema de recompensa, criando sensações de euforia e bem-estar (FISHER, 2004). Essa mesma região do cérebro está envolvida na resposta a drogas aditivas, tornando o amor comparável a um “vício saudável”.

Outro hormônio crucial no amor é a ocitocina, conhecida como “hormônio do amor”. Liberada durante momentos de intimidade e contato físico, a ocitocina está diretamente ligada ao fortalecimento de laços emocionais e à confiança mútua (CARTER, 2017). Já a noradrenalina, responsável pela excitação e pelo aumento da frequência cardíaca, contribui para as sensações de entusiasmo típicas do início de um relacionamento.

Estudos de neuroimagem demonstram que a região do cérebro chamada estriado ventral é ativada durante a paixão romântica. Essa região está relacionada à motivação e à expectativa de recompensa (BROWN et al., 2010). Ao mesmo tempo, há uma redução na atividade da amígdala, estrutura ligada ao medo e à ansiedade, o que explica por que o amor pode gerar sensações de coragem e redução da percepção de riscos.

Além disso, a serotonina desempenha um papel importante nos estágios iniciais do amor. Estudos indicam que os níveis de serotonina no cérebro dos apaixonados são semelhantes aos observados em indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo (MARRY et al., 2005). Isso pode explicar por que as pessoas apaixonadas frequentemente apresentam pensamentos recorrentes sobre o parceiro e uma certa idealização do relacionamento.

Amor e longa duração

Com o tempo, a paixão intensa tende a dar lugar a um amor mais estável e profundo. Estudos de neuroimagem mostram que, em relações de longo prazo, o sistema de recompensa do cérebro continua ativado, mas de maneira equilibrada pela serotonina, um neurotransmissor associado à calma e à estabilidade emocional (ACEVEDO et al., 2012). Isso explica por que casais que mantêm relacionamentos duradouros frequentemente relatam uma sensação de segurança e conforto ao estar juntos.

A empatia também desempenha um papel essencial na longevidade dos relacionamentos. O córtex pré-frontal, região do cérebro envolvida no autocontrole e na tomada de decisões, é ativado quando buscamos compreender as emoções do parceiro e resolver conflitos de maneira harmoniosa (PRESTON; DE WAAL, 2002).

Outro aspecto relevante é a interação entre a ocitocina e a vasopressina. Estudos demonstram que a vasopressina, além de contribuir para a formação de vínculos emocionais, está ligada à fidelidade em relacionamentos monogâmicos (WALUM et al., 2008). Indivíduos com variantes genéticas que aumentam a expressão dos receptores de vasopressina tendem a relatar maior satisfação conjugal.

Pesquisas também sugerem que a prática da gratidão e a reciprocidade emocional estão ligadas a maiores níveis de satisfação conjugal, pois estimulam a liberação de dopamina e ocitocina, reforçando a conexão afetiva (GORDON et al., 2012).

Impacto nos relacionamentos

Compreender os processos neurobiológicos do amor pode ajudar a fortalecer os laços afetivos. Estudos indicam que práticas como expressar gratidão, compartilhar novas experiências e manter uma comunicação aberta estimulam circuitos cerebrais relacionados à conexão e à felicidade conjugal (GORDON et al., 2012). Além disso, a manutenção de rituais afetivos, como beijos, abraços e elogios, auxilia na liberação contínua de ocitocina, reforçando a conexão entre os parceiros.

Por outro lado, o estresse crônico e a falta de intimidade podem impactar negativamente a relação. O aumento dos níveis de cortisol, hormônio do estresse, está associado à redução da produção de ocitocina, o que pode enfraquecer os laços emocionais (KIECOLT-GLASER et al., 2015). Portanto, cultivar hábitos saudáveis, como a prática de atividades prazerosas em conjunto, é essencial para manter a relação equilibrada.

O impacto da rejeição amorosa

Se o amor ativa o sistema de recompensa, a rejeição amorosa pode desencadear reações semelhantes à dor física. Estudos com ressonância magnética funcional mostram que a rejeição ativa a região do cérebro associada à dor, como o córtex cingulado anterior (EISENBERGER et al., 2003). Essa sobreposição explica por que rompimentos podem causar dor emocional intensa e sintomas físicos, como fadiga e insônia.

A baixa de dopamina e serotonina após uma rejeição pode levar a sentimentos de tristeza e, em alguns casos, a quadros depressivos. Por isso, o suporte social e o autocuidado são essenciais para a recuperação emocional após um término de relacionamento.

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Amor ao longo da história

O amor e os relacionamentos foram interpretados de diferentes maneiras ao longo da história. Em sociedades antigas, como a Grécia e Roma, o amor romântico muitas vezes não era o principal fator nos casamentos, que eram organizados principalmente por questões políticas e sociais. O conceito de amor romântico como o conhecemos hoje começou a se desenvolver na Idade Média, com a literatura trovadoresca exaltando o amor idealizado e muitas vezes impossível.

No século XIX, com o advento do romantismo, a ideia de amor passou a ser mais associada à emoção intensa e ao desejo de conexão genuína. O amor passou a ser visto como um elemento essencial para um casamento bem-sucedido, o que influenciou diretamente as expectativas modernas sobre os relacionamentos.

Na psicologia e na neurociência, essas mudanças culturais refletem também em como o cérebro responde ao amor. O aumento da expectativa emocional e da necessidade de conexão afetiva pode ter ampliado a importância dos hormônios como a ocitocina e a dopamina na manutenção dos relacionamentos.

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O amor na era digital

Nos últimos anos, a tecnologia transformou profundamente os relacionamentos e a maneira como experimentamos o amor. Aplicativos de namoro, redes sociais e a comunicação instantânea modificaram a forma como nos conectamos com os outros. Se antes os relacionamentos eram baseados em encontros presenciais e interações diretas, hoje é possível conhecer alguém e construir uma relação inteiramente por meio da internet.

A neurociência sugere que a dopamina, que já é essencial no amor romântico, também está fortemente envolvida no uso de aplicativos de namoro. A experiência de deslizar perfis e receber uma correspondência gera pequenos picos de dopamina no cérebro, criando uma sensação de recompensa semelhante à obtida em jogos de azar (ORTEGA et al., 2018). Isso pode tornar os aplicativos viciantes e, em alguns casos, dificultar o estabelecimento de conexões duradouras.

Por outro lado, a era digital também trouxe novas oportunidades para o amor. Casais separados por longas distâncias podem manter conexões emocionais intensas por meio da comunicação virtual. Estudos mostram que, quando casais mantêm contato frequente por meio de mensagens e videochamadas, os níveis de ocitocina podem aumentar, fortalecendo os laços afetivos mesmo à distância (JOHNSON et al., 2020).

No entanto, o excesso de exposição a redes sociais pode afetar negativamente os relacionamentos. O fenômeno da comparação social, em que indivíduos comparam sua vida amorosa com a de outros nas redes, pode gerar insatisfação e insegurança nos relacionamentos (FARDOU et al., 2021). Além disso, o aumento das interações digitais pode reduzir a qualidade da comunicação interpessoal, um fator essencial para a manutenção do vínculo emocional.

Conclusão

O amor é um fenômeno complexo que envolve interações entre neuroquímica, comportamentos e emoções. A neurociência demonstra que, embora o amor comece com uma explosão de substâncias neuroquímicas, sua manutenção depende de esforços conscientes para fortalecer o vínculo. Ao mesmo tempo, a rejeição amorosa pode desencadear reações dolorosas no cérebro, ressaltando a importância da resiliência emocional.

Além disso, o amor tem evoluído ao longo da história, passando de um conceito atrelado a alianças sociais para um ideal romântico que influencia fortemente as relações modernas. A era digital trouxe novos desafios e oportunidades, alterando a forma como experimentamos a conexão afetiva.

Compreender a neurociência do amor nos ajuda a construir relacionamentos mais saudáveis, reconhecendo os impactos das nossas emoções e padrões biológicos na forma como amamos e nos conectamos com os outros.

Referências

ACEVEDO, B. P.; ARON, A.; FISHER, H. E.; BROWN, L. L. Neural correlates of long-term intense romantic love. Social Cognitive and Affective Neuroscience, v. 7, n. 2, p. 145-159, 2012.

BROWN, S. L.; FREDRICKSON, B. L.; WITTVLIEGEL, R. M. The social neuroscience of love. Journal of Social and Personal Relationships, v. 27, n. 5, p. 620-636, 2010.

CARTER, C. S. The oxytocin-vasopressin pathway in the context of love and attachment. Handbook of Clinical Neurology, v. 147, p. 287-302, 2017.

FISHER, H. E. Why we love: The nature and chemistry of romantic love. New York: Henry Holt, 2004.

GORDON, A. M.; IMPETT, E. A.; KIVINIEMI, M. T.; KELTNER, D. To have and to hold: Gratitude promotes relationship maintenance in intimate bonds. Journal of Personality and Social Psychology, v. 103, n. 2, p. 257-274, 2012.

KIECOLT-GLASER, J. K.; LOVING, T. J.; STOWELL, J. R. Hostile marital interactions, proinflammatory cytokine production, and wound healing. Archives of General Psychiatry, v. 62, n. 12, p. 1377-1384, 2015.

PRESTON, S. D.; DE WAAL, F. B. Empathy: Its ultimate and proximate bases. Behavioral and Brain Sciences, v. 25, n. 1, p. 1-20, 2002.

WALUM, H.; WESTBERG, L.; HAMILTON, J. The role of vasopressin in pair-bonding and social behavior. Biological Psychology, v. 79, n. 3, p. 204-210, 2008.

Patricia Caroline

Especialista em Neurociência e Desenvolvimento Humano

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Pós graduada em Neurociência e Desenvolvimento Humano. 

Minha missão de vida é ajudar as pessoas a superar seus traumas e atingir sua melhor versão a partir de ações simples e diárias. 

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