O Mito da Multitarefa

 Vivemos em uma era de hiperconexão, onde a multitarefa parece ser uma habilidade indispensável. Quem nunca tentou responder a uma mensagem enquanto assistia a uma reunião ou cozinhava enquanto ouvia um podcast? O conceito de multitarefa é tão popular que muitas vezes é visto como sinônimo de produtividade. Mas será que o cérebro humano é realmente capaz de lidar com várias tarefas ao mesmo tempo ou isso apenas resulta em uma série de coisas feitas pela metade?

Como o Cérebro Processa Tarefas Simultâneas

O cérebro humano é uma máquina poderosa, mas possui limitações. Quando realizamos uma tarefa, diferentes áreas do cérebro se ativam e trabalham em conjunto. No entanto, ao tentar executar duas ou mais tarefas que exigem atenção consciente, essas áreas entram em conflito, competindo por recursos cognitivos.

Estudos em neurociência mostram que, quando alternamos entre tarefas, o cérebro precisa “reiniciar” o foco cada vez que muda de atividade. Isso consome mais energia mental e tempo do que realizar as tarefas de forma sequencial. De acordo com um estudo publicado na Scielo, a implementação de diferentes modos de controle cognitivo pode ser detectada por indicadores fisiológicos, e o controle cognitivo pode moderar o efeito do estresse mental (demanda da tarefa) sobre a tensão mental (respostas fisiológicas) (SOUZA; SILVA; OLIVEIRA, 2020).

Pesquisas conduzidas por Ophir, Nass e Wagner (2009) revelaram que indivíduos que frequentemente praticam a multitarefa digital têm maior dificuldade em filtrar informações irrelevantes e em trocar de foco eficientemente. Esse fenômeno sugere que o cérebro de multitarefas frequentes pode sofrer alterações que comprometem a capacidade de atenção e controle cognitivo.

Outro estudo realizado por Strayer e Drews (2007) mostrou que motoristas que usam celulares enquanto dirigem demonstram uma queda significativa na percepção visual e no tempo de reação, chegando a ser comparáveis a condutores sob efeito de álcool.

Por que a Multitarefa é Ineficiente

Embora pareça produtiva, a multitarefa tem vários efeitos negativos como a redução da qualidade do trabalho, dividir a atenção entre duas atividades complexas pode comprometer a qualidade de ambas. Segundo estudo de Rubinstein, Meyer e Evans (2001), a troca constante entre tarefas causa um impacto negativo na eficiência, pois cada mudança exige um tempo de reajuste cognitivo.

Uma pesquisa realizada por Foerde, Knowlton e Poldrack (2006) mostrou que aprender enquanto se está distraído pode levar ao armazenamento de informações em uma região do cérebro menos eficiente para a recuperação posterior.

Também pode ocorrer o aumento do estresse e da fadiga mental, a necessidade de alternar entre diferentes tarefas exige mais do cérebro, levando a um desgaste mental maior. Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine descobriram que trabalhadores que frequentemente interrompem suas atividades para responder e-mails ou mensagens demoram significativamente mais para retornar ao estado de concentração total (MARK; GONZALEZ; HARRIS, 2005).

Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA revelou que o constante estado de alerta provocado pelo excesso de informações e interrupções tecnológicas pode levar a níveis elevados de cortisol, contribuindo para a fadiga e o esgotamento.

Além do impacto na memória e na retenção de informações, estudos indicam que a multitarefa prejudica a memória de curto prazo. Clifford Nass, pesquisador de Stanford, descobriu que estudantes que constantemente se envolvem em multitarefas digitais são menos eficientes em armazenar e processar informações.

Um estudo da Universidade de Sussex apontou que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos e a exposição contínua à multitarefa digital estão associados a alterações estruturais no cérebro, reduzindo a densidade da matéria cinzenta na região responsável pelo controle emocional e pela tomada de decisões.

Quando a Multitarefa Funciona

Embora a multitarefa geralmente seja ineficaz, há situações específicas em que ela pode funcionar. Se uma das tarefas for altamente automatizada – como caminhar ou ouvir música –, o cérebro consegue gerenciá-las simultaneamente porque elas não competem pelos mesmos recursos cognitivos. Um estudo de Beede e Kass (2006) demonstrou que dirigir enquanto escuta música pode ser seguro, desde que a atenção principal esteja focada na condução.

Por outro lado, atividades que exigem raciocínio profundo e resolução de problemas complexos devem ser realizadas com atenção exclusiva para maximizar a eficiência e a qualidade dos resultados.

Como Melhorar sua Produtividade sem Multitarefa

Se a multitarefa não é a solução, como podemos ser mais produtivos? Aqui estão algumas dicas práticas: Priorize Suas Tarefas, use listas de tarefas ou ferramentas de planejamento para organizar o que é mais importante. Trabalhe em uma tarefa de cada vez para obter melhores resultados.

Use a Técnica Pomodoro, trabalhe por períodos focados (como 25 minutos) e faça pausas curtas. Essa abordagem melhora a concentração e reduz a fadiga mental.

Minimize distrações, desative notificações e crie um ambiente tranquilo para trabalhar. Um estudo da Universidade Carnegie Mellon revelou que interromper tarefas complexas pode reduzir a produtividade em até 40%.

Pratique a atenção plena técnicas como meditação podem ajudar a melhorar o foco e a resiliência cognitiva, permitindo um trabalho mais eficiente.

Separe tempo para cada atividade, defina blocos de tempo específicos para diferentes tarefas, evitando a tentação de alternar entre elas.

Conclusão

Embora o cérebro possa lidar com múltiplas tarefas simples ao mesmo tempo, ele não foi projetado para realizar duas ou mais atividades complexas simultaneamente. O mito da multitarefa, alimentado pelo ritmo acelerado da sociedade moderna, muitas vezes leva à redução da produtividade, aumento do estresse e erros evitáveis.

A chave para aproveitar ao máximo o potencial do seu cérebro está em trabalhar de forma inteligente, não em tentar fazer tudo ao mesmo tempo.

Referências

BEEDE, K. E.; KASS, S. J. The effects of cell phone use and music on driver performance. Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, v. 9, n. 3, p. 197-211, 2006.

FOERDE, K.; KNOWLTON, B. J.; POLDRACK, R. A. Modulation of competing memory systems by distraction. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 103, n. 31, p. 11778-11783, 2006.

MARK, G.; GONZALEZ, V. M.; HARRIS, J. No task left behind? Examining the nature of fragmented work. Proceedings of the SIGCHI Conference on Human Factors in Computing Systems, p. 321-330, 2005.

OPHIR, E.; NASS, C.; WAGNER, A. D. Cognitive control in media multitaskers. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 106, n. 37, p. 15583-15587, 2009.

RUBINSTEIN, J. S.; MEYER, D. E.; EVANS, J. E. Executive control of cognitive processes in task switching. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, v. 27, n. 4, p. 763, 2001.

STRAYER, D. L.; DREWS, F. A. Cell-phone-induced driver distraction. Current Directions in Psychological Science, v. 16, n. 3, p. 128-131, 2007.

Patricia Caroline

Especialista em Neurociência e Desenvolvimento Humano

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patricia caroline

Pós graduada em Neurociência e Desenvolvimento Humano. 

Minha missão de vida é ajudar as pessoas a superar seus traumas e atingir sua melhor versão a partir de ações simples e diárias. 

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